Comunidade indígena do interior de SP busca preservar a língua nativa: 'Herança cultural', diz cacique
21/02/2024
Na aldeia Kopenoti, em Avaí (SP), são falados três idiomas indígenas: o Terena, o Tupi-guarani e o Kaingang. Nesta quarta-feira (21) é celebrado o Dia Internacional da Língua Materna, data estabelecida pela Unesco em 1999 para celebrar as mais de 6 mil línguas faladas mundialmente. Comunidade indígena em Avaí (SP) trabalha na preservação da língua materna para prosperar culturas e tradições
Arquivo pessoal
Uma projeção elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU) mostrou que a cada duas semanas, uma língua deixa de existir. Junto dela, toda uma herança cultural e intelectual pode também deixar de existir.
Para tentar frear esse movimento e buscar a valorização dessas importantes identidades culturais, foi criado o Dia Internacional da Língua Materna, celebrado nesta quarta-feira (21). (Veja no final da reportagem mais informações sobre a data).
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Na Reserva Indígena de Araribá, localizada no município de Avaí, no interior de SP, a valorização das línguas maternas ganha um significado especial, quando os três idiomas falados na comunidade deixam de ser apenas ensinados entre gerações, para se tornar matéria do ensino regular municipal.
Sob a liderança do Cacique Chicão Terena, na aldeia Kopenoti são falados três idiomas indígenas, o Terena, o Tupi-guarani e o Kaingang.
Na comunidade em Avaí há uma escola ligada a educação municipal
Chicão Terena / Arquivo pessoal
Em entrevista ao g1 , o cacique compartilha sua visão sobre a importância da língua indígena para a cultura brasileira. Ele destaca a riqueza e diversidade de um país com mais de 200 povos indígenas, cada um com sua própria língua, e reconhece os desafios enfrentados, especialmente com a crescente influência da cultura não indígena dentro das comunidades.
“Enquanto líder de um povo indígena, eu vejo que o Brasil é muito rico, com uma diversidade enorme de línguas existentes no nosso país. É uma identidade falar o nosso idioma, serve para a gente se identificar enquanto indígena, é herança cultural. Eu sei que não é tão fácil, pois a gente tem uma grande interferência da cultura externa, que está cada vez mais próxima da terra indígena, com as grandes cidades e grandes centros urbanos”, explica o Cacique.
Chicão explica que a língua é o principal meio de transmissão da cultura das gerações mais velhas para as mais jovens. Mas explica que essa transmissão vem sofrendo interferências das tecnologias, que acabam não valorizando idiomas locais, trabalhando a comunicação por idiomas universais.
“Hoje é um desafio para os mais velhos passar isso oralmente para as crianças e principalmente para os jovens. Nós vivemos em um cenário onde a tecnologia e a televisão estão frequente nas comunidades indígenas”, afirma.
Dentre as ações de pesquisa após a instituição do Dia Internacional da Língua Materna, foi levantado pela ONU, que, das mais de 6 mil línguas faladas no mundo, apenas 100 estão nos meios digitais.
A escola na preservação das línguas maternas
Daniela Machado é diretora da Escola da Aldeia Kopenoti de ensino básico, vinculada à Diretoria de Ensino de Bauru (SP), onde estudam alunos do Ensino Infantil e Fundamental I e II, ela destaca o papel fundamental das línguas indígenas no desenvolvimento acadêmico e cultural dos estudantes da comunidade, reforçando a importância da identidade e das raízes culturais.
“O papel das línguas indígenas é um fator para o desenvolvimento acadêmico do aluno, porque quando se fala em Língua Materna, fala-se também em identidade , em raízes, e isso faz muita diferença na vida escolar do estudante, pois define quem ele é, e qual o seu papel diante da sociedade. Uma vez compreendido isso, ele jamais esquecerá sua cultura e suas tradições”, explicou a diretora em entrevista ao g1.
Escolas indígenas têm papel essencial na preservação das Línguas Maternas
Arquivo pessoal
Esse ensino é respaldado por uma resolução da Secretaria de Educação do Estado de SP ( SEDUC – nº 55, de 16-11-2023), que define como componente da grade curricular dos estudantes indígenas, as disciplinas específicas de Língua Indígena e Saberes Tradicionais.
Asaph Machado tem 12 anos e é aluno do 7° ano da Escola Aldeia Kopenoti. Sua mãe conta que ele aprendeu o idioma materno terena desde pequeno, quando passava mais tempo com os avós. Ela explica que hoje o menino fala português em casa e com os colegas de escola, já o Terena é o principal idioma de comunicação com os avós, que fazem questão de manter a língua viva.
“Desde bem criança, os avós ensinam ele a falar a língua terena, aí ele acabou aprendendo. Ele entende e fala super bem, como os avós”, contou Geisi Machado ao g1.
Asaph Machado aprendeu a língua Terena com os avós e pratica diariamente na escola, na reserva Araribá em Avaí (SP)
Arquivo pessoal
Para a mãe, a escola desempenha um papel crucial na transmissão da língua e da cultura indígena na comunidade. Além prosperar por si própria a cultura, permite o intercâmbio entre os mais velhos e a nova geração.
“A escola, ela sempre teve um papel importante no ensino e na manutenção da língua, mas esse papel de fortalecimento do uso da língua materna não é só o papel da escola, é das famílias também, que precisam colaborar nesse processo”, finaliza a mãe.
Asaph Machado aprendeu a língua Terena com os avós e pratica diariamente na escola, na reserva Araribá em Avaí (SP)
Arquivo pessoal
Língua Terena e a comunidade Araribá
Historicamente, a terra-indígena Araribá era povoada pelo grupo tupi-guarani até 1932, quando vieram os primeiros Terena do Mato Grosso do Sul, com o intuito de preservar o território que estava sendo invadido por fazendeiros.
Conheça Avaí, a cidade mais indígena do estado de SP
O espaço de cerca 1.920 hectares ou 793,72 alqueires foi declarado reserva indígena antes mesmo da chegada dos Terenas, em 28 de abril de 1913, após um decreto do Governo de SP. À época, Avaí ainda era Distrito de Jacutinga, município e comarca de Bauru (SP).
Reserva de Araribá, que fica em Avaí, completa 109 anos neste ano
Chicão Terena / Arquivo pessoal
A reserva completou 110 anos de fundação em 2023 e, ao todo, é formada por quatro aldeias. São elas:
Aldeia Kopenoty, onde vivem indígenas das etnias Terena e Kaingang
Aldeia Ekeruá, onde vivem indígenas Terena
Aldeia Nimeundaju, onde vivem indígenas da etnia Guarani
Aldeia Tereguá, onde vivem indígenas das etnias Terena e Guarani
No povoado existe, além da escola, uma Unidade Básica de Saúde, responsável pelos atendimentos médicos aos moradores da comunidade.
Terena, tereno ou têrenoe é uma língua indígena do Brasil falada por cerca de 15 mil indivíduos da etnia Terena e pertencente à família linguística aruaque.
A utilização do terena estende-se principalmente no estado Mato Grosso do Sul, estando também presente em aldeias indígenas localizadas em São Paulo, como a reserva Araribá em Avaí, e no Mato Grosso.
O terena é considerado uma língua ameaçada devido ao baixo número de falantes e perpetuação desigual da língua em diferentes aldeias. Assim, a língua é majoritária em algumas comunidades indígenas e raramente utilizada em outras. A Unesco classifica o terena como definitivamente em risco. (Assista abaixo à reportagem exibida em 2019 mostra algumas das tradições da aldeia em Avaí)
Índígenas da aldeia Keruá mostram tradição da tribo em Avaí
Sobre a data
Dia Internacional da Língua Materna foi instituida durante a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) de 1999.
Reuters/Philippe Wojazer
O 21 de fevereiro foi instituído como o Dia Internacional da Língua Materna, durante a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) de 1999. A instituição da data foi uma iniciativa da bancada de Blangladesh, com o objetivo de celebrar as tantas formas que a humanidade desenvolveu de expressar o mundo à sua volta.
As celebrações de 2024 se concentram no tema “Educação Multilíngue - uma necessidade para transformar a educação”. O tema é baseado em outra projeção elaborada pela ONU, a de que, em âmbito mundial, 40% da população não tem acesso à educação em sua língua materna.
* Sob supervisão de Mariana Bonora.
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