Vacinas para animais silvestres e exóticos? Especialistas falam sobre falta de imunizantes para pets 'não convencionais' no Brasil
29/05/2025
(Foto: Reprodução) Existem algumas opções de vacinas específicas para animais silvestres e exóticos, mas elas são limitadas e, geralmente, desenvolvidas para uso em programas de conservação, zoológicos ou em situações atípicas. Especialistas falam sobre falta de vacinas para pets 'não convencionais' no Brasil
Os gatos e os cachorros precisam ser acompanhados e devidamente vacinados em todas as etapas da vida. No entanto, quando falamos de animais silvestres e exóticos, existem poucas opções de imunizantes disponíveis no Brasil, seja por falta de estudos e testes ou pela dificuldade de importar as vacinas.
📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp
O g1 conversou com as médicas veterinárias Paula Prata e Marcella Mascheto, que atualmente trabalham juntas em uma clínica localizada em Sorocaba (SP). Elas explicaram o motivo de não haver uma ampla variedade de vacinas para pets exóticos e silvestres.
Vacinações para pets 'não convencionais' são pouco exploradas no Brasil
Paula Nochelli Prata/Arquivo pessoal
"Geralmente, não realizamos vacinações em algumas espécies de pets não convencionais — animais silvestres e exóticos em geral — pois, infelizmente, ainda há poucos estudos e testes disponíveis para determinadas espécies. Sem esses estudos prévios e devidamente comprovados, não sabemos, ao certo, como será a reação imunológica desencadeada nos animais vacinados, já que essa resposta imune pode variar bastante, podendo ser até mesmo fatal, dependendo do que ocorrer", explica Paula.
"Isso torna a vacinação um desafio técnico e ético. Por isso, ainda não há indicação de vacinação para alguns pets, diferentemente de cães e gatos, que já são vacinados com frequência e têm comprovação de eficácia", complementa Marcella.
Médicas veterinárias Marcella Mascheto (à esquerda) e Paula Prata (à direita) trabalham juntas em Sorocaba (SP)
Arquivo pessoal
As especialistas reforçam que a ampla diversidade biológica dos animais silvestres e exóticos é um empecilho considerável para a fabricação de vacinas. Cada espécie responde imunologicamente de forma diferente, segundo as profissionais. Além disso, os testes em espécies ameaçadas de extinção, que possuem populações pequenas e dispersas, são uma preocupação para os especialistas.
"Testar a segurança e eficácia da vacina exige estudos complexos, caros e, muitas vezes, inviáveis em populações pequenas ou ameaçadas. Eticamente, há preocupação com o bem-estar dos animais durante os testes, os riscos de reações adversas e os impactos no equilíbrio ecológico", acrescenta Marcella.
No entanto, as profissionais explicam que existem algumas vacinas específicas para animais silvestres e exóticos, mas elas são extremamente limitadas e, geralmente, desenvolvidas para uso em programas de conservação, zoológicos ou em situações muito particulares.
Hamster também é um dos pets 'não convencionais' que não têm vacinas
João Pedro Ribeiro/Arquivo pessoal
"O uso deve ser individualizado e cuidadosamente avaliado por um médico veterinário especializado. Alguns exemplos de vacinação usualmente realizada na rotina para pets não convencionais são a vacina contra cinomose para ferrets (furões) e as vacinas contra doenças aviárias, como a doença de Newcastle, bouba aviária e doença de Gumboro", diz Marcella.
"Essas vacinas estão disponíveis no Brasil, mas são voltadas principalmente para a produção em larga escala, como em granjas. O uso em aves ornamentais ou silvestres deve ser avaliado individualmente. Em zoológicos, por exemplo, vacinas podem ser utilizadas para proteger determinadas espécies, principalmente contra doenças como a raiva ou a cinomose, que podem ser fatais", complementa Paula.
Limitação de vacinas e riscos de doenças
Calopsitas, assim como outros pets 'não convencionais', não possuem carteira de vacinação
Nathalie Arantes/Arquivo pessoal
Existem vacinas que têm eficácia comprovada e estão comercialmente disponíveis em outros países. No entanto, não há permissão para que estes imunizantes sejam aplicados em território nacional.
"É o caso da vacina contra a mixomatose em coelhos. Por não ser uma doença considerada comum no Brasil, sendo mais comum em regiões da Europa e da Austrália, não há licenciamento para a produção ou importação dessas vacinas no país. Devido à baixa incidência da doença por aqui, há uma limitação regulatória", diz Paula.
As veterinárias reforçam que a falta de imunizantes disponíveis no país faz com que sejam registrados surtos de doenças entre animais silvestres, principalmente em ambientes de cativeiro, como zoológicos ou centros de reabilitação, já que, nestes locais, o contato com animais domésticos e humanos pode ser mais frequente.
"Doenças como a cinomose em furões ou a raiva em outros mamíferos silvestres já foram notificadas e causaram surtos graves. A falta de vacinação adequada nesses ambientes pode contribuir para esses eventos, mas, na natureza, o controle é mais difícil e a vacinação em massa é impossível. Nesses casos, a vigilância epidemiológica é essencial para detectar e manejar esses surtos", diz Marcella.
Há poucas opções de vacinas para pets 'não convencionais' no Brasil
Paula Nochelli Prata/Arquivo pessoal
Além disso, também há o caminho contrário: doenças que podem ser transmitidas dos animais silvestres e exóticos para os animais domésticos e até humanos, como, por exemplo, a raiva, a leptospirose, a febre maculosa, entre outras.
"Muitos animais silvestres e exóticos são reservatórios naturais de doenças. Por isso, o controle do contato, o manejo adequado e a vigilância sanitária são essenciais para minimizar a transmissão dessas doenças, já que, em muitos casos, não há indicação de vacinação", explica Paula.
"A ausência de vacinação, principalmente em áreas onde essas doenças circulam, pode aumentar o risco de transmissão. Por isso, a prevenção em humanos e animais domésticos, por meio da vacinação frequente ou manejo adequado, é a principal barreira contra essas zoonoses", acrescenta Marcella.
Hamster é um dos pets 'não convencionais' que não possui carteira de vacinação
João Pedro Ribeiro/Arquivo pessoal
Regulamentação brasileira
O uso de imunobiológicos não registrados por órgãos regulamentadores, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), é considerado ilegal.
Desse modo, a decisão sobre a aplicação das vacinas envolve os dois órgãos regulamentadores e os médicos veterinários, que avaliam se a imunização é segura e justificável, segundo Marcella e Paula. Por isso, de acordo com elas, quando falamos de espécies silvestres ou exóticas para as quais não há indicação prévia de uso, é necessária a autorização formal dos órgãos competentes.
"A maioria dessas vacinas regulamentadas no Brasil é desenvolvida para cães e gatos, como, por exemplo, a V8 ou V10 (vacina múltipla canina), e seu uso em animais silvestres ou exóticos pode ser ineficaz ou, até mesmo, causar efeitos adversos graves", diz Marcella.
Médicas veterinárias de Sorocaba (SP) explicam sobre falta de vacinação entre pets 'não convencionais'
Paula Nochelli Prata/Arquivo pessoal
"Nesses casos específicos, o uso dos imunobiológicos pode ser considerado não apenas irregular, mas também ilegal, especialmente em contextos envolvendo fauna nativa ou ameaçada. Por isso, qualquer vacinação de animais silvestres, principalmente, deve ser criteriosamente avaliada por um médico veterinário habilitado, com base na espécie, na situação epidemiológica e no respaldo científico", complementa Paula.
As especialistas ainda reforçam que a legislação brasileira é extremamente restrita quanto à vacinação de animais silvestres e exóticos. Elas explicam também que o uso, quando necessário, é considerado "off-label", ou seja, a prescrição ou administração de um medicamento em contextos diferentes daqueles aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
"Em ambientes como zoológicos, criadouros legalizados ou centros de reabilitação, o uso pode ser autorizado, desde que haja justificativa técnica e, muitas vezes, anuência de órgãos como o Ibama ou o Mapa. Além disso, o veterinário deve garantir que esse uso não comprometa a saúde do animal, nem o equilíbrio ecológico, especialmente em espécies nativas ou ameaçadas", explica Marcella.
Paula Prata e Marcella Mascheto explicam sobre a falta de vacinações em pets 'não convencionais'
Arquivo pessoal
*Colaborou sob supervisão de Júlia Martins
Veja mais notícias da região no g1 Sorocaba e Jundiaí
VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM